Introdução
“Como não ser assaltado?” — Já parou para pensar que essa é uma pergunta que parece simples, quase prática, mas que carrega consigo uma carga simbólica profunda? Ela é feita quase todos os dias, em conversas, nas redes sociais, nos noticiários e até nas pesquisas do Google.
Cotidianamente, pessoas buscam respostas que prometam o mínimo de segurança em meio ao caos dos grandes centros urbanos, estratégias para “sobreviver” ao dia a dia. No entanto, o simples fato dessa pergunta existir — e ser tão recorrente — é, por si só, um sintoma alarmante que muitos nem se dão conta.
Por que chegamos ao ponto de transformar a violência em algo inevitável? Por que a sobrevivência cotidiana passou a depender da astúcia individual, e não da proteção que o estado deveria assegurar? O questionamento “como não ser assaltado?” é o retrato mais nítido de uma sociedade que falhou — falhou em garantir o básico: o direito à segurança, à dignidade humana e à confiança no próximo.
Este artigo não tem como objetivo trazer dicas de autoproteção ou conselhos de comportamento que você precisa seguir. Em vez disso, propõe uma reflexão do que está por trás dessa pergunta, o que ela revela sobre o modo como vivemos e nos relacionamos? E, sobretudo, o que ela diz sobre o colapso do projeto social?
O medo como rotina: a normalização da insegurança
Viver com medo tornou-se um hábito, principalmente em grandes centros urbanos de países subdesenvolvidos. Em muitas cidades brasileiras, a sensação de insegurança/vulnerabilidade é constante, onde o medo constante de ser assaltado guia nossas escolhas diárias: o caminho que fazemos, o horário em que saímos de casa, o tipo de celular que usamos (onde algumas pessoas até cogitam ou tem o famoso celular do Bandido), a forma como andamos na rua.
Essa paranoia constante, esse estado de alerta permanente, é mais do que uma resposta à violência presenciada todos os dias — é uma forma de vida que se moldou a insegurança.
Quando o medo deixa de ser um sentimento passageiro e se torna uma o pilar central cotidianamente, faz com que as pessoas passem a desconfiar umas das outras, a evitar o espaço público, a ver o outro sempre como uma possível ameaça. Desse modo, a confiança se rompe lentamente, até que a convivência se transforme em isolamento constante.
E o mais assustador: já não nos indignamos tanto. Aceitamos o medo como parte da vida, como se fosse natural.
A pergunta que revela o fracasso coletivo
“Como não ser assaltado?” para além de uma simples pergunta sobre segurança; é uma confissão de impotência coletiva. Ela mostra que a sociedade já não acredita no Estado como garantidor da ordem, do bem estar social e nem na coletividade como força de proteção.
Quando o cidadão precisa aprender, sozinho, a “não ser assaltado”, é porque as instituições falharam. O Estado, que deveria zelar pela segurança pública não cumpre seu papel, forçando assim, uma terceirização dessa responsabilidade para o próprio indivíduo. Dessa maneira, o indivíduo, impotente diante da realidade cruel e assustadora, tenta criar estratégias de sobrevivência que o mantenha em segurança, mesmo que, por apenas um dia.
A pergunta, portanto, revela algo muito mais profundo: vivemos em uma sociedade que desistiu de proteger seus próprios membros.
Culpabilização da Vítima
A pergunta “como não ser assaltado?” também carrega, de forma implícita, uma lógica perigosa de culpabilização da vítima. Ao colocar o foco no comportamento individual — no que a pessoa deve ou não fazer para evitar ser vitima de um crime — o discurso transfere a responsabilidade da violência para quem sofre com ela, e não para quem a pratica ou para o sistema que a permite a impunidade do criminoso.

Essa inversão moral cria uma falsa sensação de controle: faz parecer que, se alguém foi assaltado, é porque “não tomou cuidado”, “se expôs demais” ou “deu bobeira”. Assim, o debate sobre segurança se esvazia, pois deixa de lado a violência que a vitima sofreu e passa a julgar as atitudes de quem foi vitimado.
Trata-se de um mecanismo social de defesa, mas também de alienação — um modo de negar o fracasso coletivo, responsabilizando o indivíduo pela falência do Estado e da própria sociedade.
O fracasso do contrato social
Desde os filósofos iluministas, como Hobbes, Locke e Rousseau, o “contrato social” é visto como o fundamento da vida em sociedade, sendo um acordo implícito segundo o qual os indivíduos abrem mão de um percentual da sua liberdade em troca de uma proteção e da ordem garantidas (ou que deveria ser garantida) pelo Estado.
Mas o que acontece quando esse contrato é quebrado? Quando o Estado já não garante a segurança, e o cidadão se vê obrigado a se proteger sozinho?
Quando o contrato é quebrado o resultado é o que vemos nas ruas: o retorno ao homem hobbesiano, onde ocorre à “guerra de todos contra todos”. A promessa moderna de segurança, progresso e justiça se desfaz facilmente diante da realidade de um país em que a vida vale pouquíssimo.
O “como não ser assaltado?” é o sintoma de que esse contrato social foi rasgado, ou talvez, arrisco eu dizer que o mesmo nunca existiu. A sociedade, devido a ineficiência constante das instituições de segurança e do Estado, vive em permanente estado de autodefesa.
A falsa sensação de segurança e o mito da autoproteção
A obsessão por “não ser assaltado” também revela uma ilusão: a de que é possível se proteger individualmente em uma sociedade estruturalmente violenta.
Trocar de celular, evitar certos bairros, mudar o trajeto, não usar relógio — são práticas que podem reduzir riscos, mas não eliminam o problema, é quase como colocar um balde para evitar molhar a casa devido a uma goteira ao invés de solucionar o problema. Estratégias individuais jamais serão soluções para uma crise coletiva.
Conclusão:
“Como não ser assaltado?” é uma pergunta que não deveria existir — ou, ao menos, não com a frequência que tem hoje. Ela é o espelho de um país que se perdeu em sua própria desigualdade, que naturalizou a injustiça e que acredita que o perigo é inevitável.
Mas refletir sobre essa pergunta é também o primeiro passo para transformá-la. O problema não é o medo em si, mas a estrutura que o produz.
Enquanto continuarmos buscando soluções individuais para problemas que não deveria existir como por exemplo o Crime, continuaremos reféns do medo. É preciso retomar a ideia de sociedade — de um pacto social real, em que segurança seja de fato um direito.
Somente quando o “como não ser assaltado?” deixar de ser uma preocupação cotidiana poderemos dizer que a sociedade reencontrou seu caminho. Até lá, essa pergunta seguirá ecoando como o lembrete mais doloroso de que fracassamos — e de que ainda precisamos reconstruir o que chamamos de civilização.