Introdução
Pare para imaginar um grande pasto aberto, onde os moradores de uma determinada vila podem levar seus animais para pastar livremente sem serem cobrados, inicialmente, o equilíbrio parece natural — há espaço e alimento suficiente para que cada família possa deixar seus animais. No entanto, com o tempo, alguns criadores, buscando aumentar seu próprio lucro, decide inserir cada vez mais animais, o resultado é nítido certo? a grama desaparece, o solo se degrada através da compactação e solo exposto e o pasto, que era um bem coletivo, se torna infértil.

O exemplo que acabamos de ver é um clássico usado pelo ecologista Garrett Hardin, em 1968, para ilustrar o conceito de “Tragédia dos Comuns” — uma metáfora que exemplifica o conflito entre o interesse individual e bem coletivo.
A tragédia dos comuns não é apenas uma metáfora para pastos e gado, é, na verdade, para além disso, uma reflexão profunda sobre a natureza humana, a economia, a política e a sustentabilidade ambiental.
Hoje, ela pode ser vista em quase todo tipo de contexto: seja em mudanças climáticas, poluição dos oceanos, desmatamento, uso irresponsável da água e até mesmo no ambiente digital, através do consumo descontrolado de recursos tecnológicos.
Mas afinal, o que exatamente é a tragédia dos comuns? E o que ela revela sobre a forma como a sociedade organiza seus bens coletivos e lida com os limites do planeta?
O que é a Tragédia dos Comuns?
Como já exemplificado anteriormente, a tragédia dos comuns é uma situação em que indivíduos, agindo racionalmente segundo seus próprios interesses, acabam destruindo um recurso compartilhado/comum/público — mesmo sabendo que isso prejudicará o bem estar coletivo, incluindo o seu próprio.
Esse conceito foi popularizado por Garrett Hardin, mas a ideia possui suas raízes ainda mais profundas. Já em 1833, o economista inglês William Forster Lloyd descreveu esse dilema em um panfleto sobre a exploração de pastagens comuns. Hardin, contudo, foi quem acabou dando à metáfora uma dimensão global, conectando-a com os problemas ecológicos e sociais do século XX e que podem ser observados até nos dias de hoje.
A essência da tragédia é o conflito entre racionalidade individual e racionalidade coletiva.
- Para o indivíduo, é racional usar o máximo possível de um recurso.
- Para a coletividade, essa atitude é irracional, pois destrói a base que sustenta todos.
É um paradoxo que coloca em questão não apenas a economia, mas a própria organização moral e política das sociedades humanas.
Exemplos práticos: da teoria à realidade
A tragédia dos comuns pode ser observada em diversos níveis e escalas. Abaixo, podem ser imaginados alguns exemplos que mostram como esse dilema se manifesta:
1. O meio ambiente e os recursos naturais
Um dos exemplos mais claros é o uso descontrolado de recursos naturais.
- Pesca predatória: cada pescador busca maximizar sua captura, mas a soma dessas ações leva à escassez dos peixes.
- Desmatamento: fazendeiros ampliam suas áreas de cultivo ou pastagem, mas coletivamente isso destrói florestas inteiras e o equilíbrio climático.
- Água e energia: o consumo excessivo e individualizado desses recursos ameaça sua disponibilidade no futuro.
A lógica é sempre a mesma: o benefício imediato de um indivíduo ou grupo se sobrepõe ao prejuízo coletivo de longo prazo.
2. A poluição e o clima
Em seguida, outro exemplo são empresas e indústrias que liberam gases poluentes porque é mais barato do que investir em formas de energias mais limpas. No fim, ao somar essas escolhas “racionais”, temos o aquecimento global e o colapso climático, que afetam cotidianamente cada vez mais a população mais vulnerável.
3. O espaço urbano e o trânsito
Nas grandes cidades, o uso excessivo do automóvel particular é outro exemplo de tragédia dos comuns. Imagine que devido ao trânsito certos motorista decidem invadir a faixa exclusiva para ônibus, gerando assim transtornos e acidentes devido a essa atitude egoísta.
Cada pessoa acredita estar agindo de forma racional — buscando conforto e rapidez —, mas o resultado coletivo é o oposto: engarrafamentos e acidentes.
4. O lixo e o consumo
Devido ao capitalismo e a prática consumista, o consumo exagerado de produtos descartáveis e o descarte incorreto de resíduos geram um impacto coletivo devastador. Enquanto cada indivíduo acredita que “jogar fora um copo de plástico” é inofensivo, o resultado é o acúmulo de bilhões de toneladas de lixo indo parar em rios, oceanos e mares, ou gerando transtornos como alagamentos em áreas urbanas.
A lógica do interesse e o papel da responsabilidade
A tragédia dos comuns mostra como o interesse individual, quando descolado da responsabilidade de viver em sociedade, gera efeitos autodestrutivos.
O problema não está apenas na ambição humana, mas também na ausência de mecanismos sociais e políticos de regulação e punição para esse interesse individual desordenado.
Para Hardin, havia duas saídas possíveis:
- Privatizar os recursos: Uma das formas para solucionar seria privatizar os recursos, de modo que cada indivíduo fosse responsável por seu próprio pedaço e sentisse no bolso as consequências de suas ações.
- Gerir coletivamente, com regras claras, limites e fiscalização, além claro, de punição para que a ordem fosse estabelecida de forma eficaz.
Contudo, muitos críticos apontaram que a solução não é tão simples. Em sociedades complexas, nem a privatização total nem o controle absoluto do Estado garantem o equilíbrio.
Dessa maneira, para além da privatização ou gerir coletivamente, seria preciso desenvolver uma consciência coletiva, baseada na ética da responsabilidade, conceito que remete à ideia de cidadania ecológica.
A contribuição de Elinor Ostrom: uma nova perspectiva

Décadas após Hardin, a economista Elinor Ostrom, vencedora do Prêmio Nobel de Economia em 2009, desafiou a visão fatalista da tragédia dos comuns.
Em vez de aceitar que os recursos compartilhados estão destinados à destruição, Ostrom mostrou, com base em diversos estudos empíricos, que existia comunidades locais que criaram regras próprias e eficazes para gerenciar seus bens comuns — sem depender única e exclusivamente do mercado ou do Estado.
Ela observou que, em várias partes do mundo, grupos organizam-se de forma cooperativa para preservar florestas, lagos, sistemas de irrigação e pastagens, criando regras para um convívio harmônico.
Com isso, sua contribuição foi provar que a tragédia dos comuns não é necessariamente inevitável. Quando há participação, diálogo e governança compartilhada, os recursos comuns podem ser usados de forma sustentável e equitativa.
A tragédia dos comuns na era digital
Curiosamente, a teoria também se aplica ao mundo digital.
- O excesso de desinformação nas redes sociais, onde cada um publica sem checar, compromete o bem comum: a verdade.
- O uso abusivo da internet e da atenção (o tempo que passamos rolando telas) cria uma nova forma de degradação — não ambiental, mas cognitiva e social.
Assim como os recursos naturais, o tempo, a informação e a atenção tornaram-se novos “bens comuns” que também podem se esgotar quando não há moderação coletiva.
Caminhos possíveis: cooperação, política e consciência
A superação da tragédia dos comuns está estruturada em cima de três pilares, eles são:
- Educação e consciência ambiental — compreender que os recursos são finitos e que o consumo tem consequências graves para o coletivo, incluindo você mesmo. Para além disso, ensinar a adiar a recompensa para que possa existir harmonia em sociedade.
- Políticas públicas eficientes — além disso, é necessário que regulem o uso dos bens comuns, punam abusos e incentivem práticas que sejam cada vez mais sustentáveis.
- Participação cidadã e governança colaborativa — Por fim, inspirada nas ideias de Ostrom, onde a gestão dos recursos é feita com base no diálogo entre governo, comunidades e iniciativa privada.
Além disso, a cultura contemporânea precisa recuperar a ideia de solidariedade intergeracional: entender que as escolhas de hoje moldam o mundo que as próximas gerações herdarão, seja com as vantagens, mas também com os impactos que causamos nas ações do presente.
Conclusão
Dessa forma, a tragédia dos comuns continua sendo uma das metáforas mais fundamentais para compreender os dilemas do nosso tempo, nos lembrando que o progresso, quando guiado apenas pelo interesse individual, leva ao colapso coletivo.
Mais do que um conceito econômico, a tragédia dos comuns é um espelho da nossa humanidade — um convite à reflexão sobre como viver juntos neste planeta de recursos limitados.