Introdução
Quando falamos em cidadania hoje, pensamos logo em direitos e deveres: votar, participar da política, ter acesso à serviços como saúde, à educação e à justiça. Contudo, se voltarmos à Grécia Antiga, percebe-se que a ideia de cidadania apresentava outro significado, muito mais profundo e existencial.
Para Aristóteles, um dos pilares da filosofia ocidental, ser cidadão não estava diretamente ligado a direitos garantidos por uma constituição, mas viver de acordo com a própria essência do ser humano.
Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, um ser que só é pleno e encontra sentido estando em comunidade.
No presente artigo, vamos mergulhar no pensamento aristotélico para entender o que significa cidadania. Falaremos sobre o contexto histórico, o que era ser cidadão em Atenas, como Aristóteles relacionava cidadania com a vida na pólis, a centralidade da virtude e da justiça, além de refletirmos sobre a atualidade de suas ideias no mundo moderno.
O Contexto Histórico: Grécia Antiga e a Pólis
Aristóteles nasceu em 384 a.C., em Estagira, e viveu boa parte de sua vida em Atenas. Naquele tempo, a pólis, ou cidade-estado, era a estrutura fundamental para a organização política. Não havia países como conhecemos hoje, mas sim comunidades autônomas onde se governavam por suas próprias leis.
A pólis não era apenas um território geográfico; era uma forma de vida. Para os gregos, viver fora da pólis era quase impensável, porque o homem só poderia realizar plenamente sua natureza vivendo em comunidade. Era nesse espaço coletivo que se praticava a política, se discutiam leis, se administrava a justiça e se cultivava a vida comum.
E aqui está o ponto crucial: a cidadania, para Aristóteles, estava profundamente vinculada à participação ativa na pólis. Ser cidadão não era apenas ser habitante ou morador, mas alguém que tinha voz, que participava da vida política, que deliberava e decidia junto com os outros.
O Ser Humano Como Animal Político
Aristóteles é famoso por ter definido o homem como um animal político (zoon politikon). Essa frase não significa o homem fosse um ser que gosta de política. O sentido é mais profundo: a política, entendida como vida boa em comunidade, homem é um ser que precisa estar em sociedade.
Assim como as abelhas vivem em colmeias e os formigueiros existem pela cooperação entre formigas, os seres humanos só conseguem se realizar plenamente em sociedade, porém, o homem é um ser dotado de ração e linguagem, isso significa que somos dotados da comunicação para discutirmos, tomarmos decisões e escolhermos o melhor para uma vida em sociedade.
A cidadania, portanto, surge a partir dessa capacidade de comunicação racional. É por meio da linguagem que construímos pactos, criamos leis e construímos a vida coletiva.
Quem Era o Cidadão para Aristóteles?
Aqui é preciso ter noção de uma diferença importante entre o mundo grego e o mundo contemporâneo. Para Aristóteles, para ser cidadão era necessário que participasse ativamente da vida política da pólis, podendo tomar decisões sobre as leis e julgar as questões comuns.
Nesse sentido, a cidadania grega excluía, na prática, muitas pessoas, sendo elas: mulheres, estrangeiros, escravos e até mesmo trabalhadores braçais não eram considerados cidadãos plenos.
Essa exclusão pode soar injusta para nós, como de fato é, mas contribui para entender o contexto de sua reflexão. O conceito aristotélico de cidadania estava ligado à participação política e à vida pública. Para ele, quem não participa da pólis não é plenamente humano, porque não realiza sua natureza de ser político, assim como sua frase de que o homem é um animal político.
O Papel da Política na Formação do Cidadão
Na visão de Aristóteles, a política não era apenas uma forma de administração de recursos ou poder. Ela era, acima de tudo, uma arte, capaz de formar cidadãos. A pólis existia para permitir que os homens pudessem alcançassem a vida boa, isto é, a felicidade (eudaimonia).
Para adquirir a eudaimonia, era necessário estar em comunidade, pois só nela que o homem exercita virtudes como a justiça, a prudência, a coragem e inúmeras outras virtudes necessárias.
Assim, a política e a cidadania estão intimamente ligadas: não há cidadania sem participação política, e não há política sem cidadãos virtuosos.
Cidadania Passiva e Ativa
Aristóteles via a cidadania de modo que podia ser separadas em dois tipos, sendo a cidadania passiva e a ativa. O primeiro tipo nada mais é do que aquele que apenas goza dos benefícios da pólis, usufruindo da proteção das leis e da organização social. Esse seria um cidadão em sentido passivo.
Por outro lado, o verdadeiro cidadão é ativo: participa das assembleias, delibera, julga, se envolve nos destinos da cidade. É essa participação ativa que define a cidadania em seu sentido mais puro.
Essa distinção nos ajuda a refletir também sobre nossa sociedade contemporânea. Muitas vezes, confundimos cidadania com apenas usufruir de direitos, mas Aristóteles nos lembra que ser cidadão exige também deveres e participação.
A Exclusão na Cidadania Aristotélica
Como já mencionado antes, a cidadania em Aristóteles era restrita, onde escravos, mulheres e estrangeiros eram excluídos dessa participação política. Para o filósofo, essas categorias não tinham condições de exercer plenamente as funções da vida pública, já que o mesmo via a escravidão como algo necessário, além de encarar o intelecto feminino inferior ao masculino.
Importante ressaltar que, embora isso pareça antiquado e excludente, vale lembrar que se tratava de uma realidade histórica. Ainda assim, sua teoria sobre cidadania permanece valiosa, porque ressalta a importância da participação e da virtude como fundamentos da vida coletiva.
Atualidade do Pensamento Aristotélico
Mesmo com suas limitações, ainda assim, seu conceito de cidadania continua atual. Em tempos onde muitas pessoas se afastam da política, enxergando-a apenas como espaço de corrupção ou burocracia inúteis e desnecessárias , o filósofo grego nos lembra que a política é o espaço fundamental para a realização da vida humana.
Sem a participação, não existe a cidadania verdadeira (cidadania ativa). E sem cidadãos ativos com o bem comum na sociedade, não há comunidade que consiga manter suas bases sólidas. A lição aristotélica é clara: a cidadania é uma construção coletiva que exige virtudes, engajamento e responsabilidade com o bem comum.
Conclusão
Com isso, Aristóteles nos ensina que cidadania refere-se a um modo de vida. É viver em comunidade, participar das decisões coletivas, cultivar a justiça e buscar o bem comum. É compreender que a felicidade humana não pode ser alcançada isoladamente, mas apenas no convívio político e social.
Embora o conceito de cidadania em Aristóteles fosse limitado e excludente em seu tempo, sua essência permanece viva: o ser humano só se realiza plenamente como cidadão, isto é, como parte ativa da comunidade.
Responder a essa pergunta é, talvez, a forma mais autêntica de honrar o legado de Aristóteles e manter vivo o sentido profundo de cidadania.