Introdução
No debate sobre as mudanças climáticas, geralmente os temas mais destacados são o aumento da temperatura global, a intensificação de eventos climáticos extremos e o derretimento das calotas polares. Entretanto, existe um fenômeno oculto, menos conhecido do grande público, mas de enorme importância para o equilíbrio ambiental: o permafrost.
Trata-se de um tipo especial de solo permanentemente congelado, presente sobretudo em regiões de altas latitudes e altitudes, como o Ártico, o Alasca, a Sibéria e o norte do Canadá. O permafrost tem sido, por milhares de anos, um depósito natural de carbono e metano, atuando como um “arquivo” das transformações climáticas do planeta. Contudo, o seu degelo, acelerado pelo aquecimento global, pode liberar quantidades massivas de gases de efeito estufa, intensificando ainda mais a crise climática.
Neste artigo, vamos compreender o que é o permafrost, como ele se forma, sua distribuição geográfica, sua função ambiental e social, os riscos que o derretimento traz para os ecossistemas e para a humanidade, além de discutir perspectivas científicas sobre o futuro desse fenômeno.
O que é o permafrost?
O termo permafrost vem do inglês perm (permanente) + frost (congelado). Em português, é também chamado de pergelissolo. Sua definição técnica refere-se a qualquer solo que tenha permanecido congelado por pelo menos dois anos consecutivos, embora, na prática, muitos depósitos de permafrost estejam congelados há dezenas de milhares de anos.
O permafrost é composto por uma mistura de terra, rochas, sedimentos e gelo que se fundem em uma estrutura sólida. Sua espessura pode variar bastante: em alguns lugares, apresenta apenas alguns centímetros de profundidade; em outros, pode chegar a centenas de metros.
Acima dele, encontra-se a chamada camada ativa, uma faixa de solo que descongela no verão e volta a congelar no inverno. Essa camada superficial permite o desenvolvimento de vegetação adaptada, como líquens, musgos e pequenas gramíneas, típica dos biomas de tundra.

Formação do permafrost
O permafrost formou-se, em grande parte, durante as eras glaciais, quando as baixas temperaturas favoreceram o congelamento contínuo de solos e sedimentos. Com o tempo, restos de plantas, animais e matéria orgânica foram sendo incorporados a essas camadas congeladas, permanecendo intactos por milhares de anos.
Essa característica faz do permafrost não apenas um reservatório natural de carbono, mas também um registro geológico e biológico da história da Terra. Seu degelo, portanto, tem dupla relevância: científica, por liberar informações fósseis valiosas, e ambiental, por liberar gases de efeito estufa antes retidos.
Onde o permafrost é encontrado?
O permafrost ocupa cerca de 25% do território do Hemisfério Norte, totalizando aproximadamente 13 a 23 milhões de km², segundo estimativas do National Snow and Ice Data Center (NSIDC).
As principais regiões com ocorrência significativa são:
- Sibéria (Rússia), onde se encontram as maiores extensões de permafrost contínuo.
- Alasca (EUA), com vastas áreas cobertas por esse tipo de solo.
- Canadá, sobretudo nas regiões árticas e subárticas.
- Groenlândia e Islândia.
- Planalto Tibetano, na Ásia.
No Hemisfério Sul, embora em proporções menores, há registros em regiões de alta montanha, como os Andes, os Alpes do Sul (Nova Zelândia) e nas Ilhas Geórgias do Sul.
Além do permafrost terrestre, também existe o permafrost submarino, encontrado em porções do fundo do Oceano Ártico. Esse tipo se formou há mais de 11 mil anos, durante a última glaciação, quando áreas hoje submersas estavam expostas.
Tipos de permafrost
O permafrost pode ser classificado de acordo com sua distribuição e composição:
- Permafrost contínuo – Forma extensas camadas ininterruptas de gelo e solo congelado, típicas das regiões mais frias do Ártico.
- Permafrost descontínuo – Caracteriza-se por áreas de permafrost intercaladas com zonas não congeladas, comum em regiões de transição climática.
- Permafrost esporádico – Ocorre em áreas isoladas, geralmente em altitudes elevadas, com gelo em pequenas placas.
- Permafrost isolado – Presente em bolsões de gelo subterrâneo dispersos em solos não totalmente congelados.
Essa classificação mostra que o permafrost não é uniforme e responde de maneira diferente ao aumento das temperaturas globais.
O degelo do permafrost e suas causas
O principal fator responsável pelo degelo do permafrost é o aquecimento global. Desde a Revolução Industrial, as atividades humanas aumentaram as concentrações de gases de efeito estufa, provocando uma elevação da temperatura média da Terra em cerca de 1,1 ºC em relação ao período pré-industrial.
Nas regiões árticas, esse aumento é ainda mais acelerado: a taxa de aquecimento é duas vezes maior que a média global. Isso significa que o permafrost, altamente sensível às variações climáticas, está derretendo em uma velocidade preocupante.
Estudos recentes sugerem que, caso a temperatura global aumente 2 ºC, cerca de 40% do permafrost mundial pode desaparecer até o final do século XXI. Mesmo um aumento de 1 ºC já seria suficiente para causar perdas significativas, comparáveis a áreas do tamanho da Índia.
Consequências do degelo do permafrost
1. Liberação de gases de efeito estufa
O permafrost armazena uma quantidade de carbono quase duas vezes maior que a presente na atmosfera atual. Seu degelo libera dióxido de carbono (CO₂) e, sobretudo, metano (CH₄), um gás com potencial de aquecimento cerca de 25 vezes maior que o do CO₂.
Esse processo pode gerar um ciclo de retroalimentação climática: quanto mais o permafrost derrete, mais gases são liberados, o que intensifica o aquecimento global, provocando ainda mais degelo.
2. Liberação de vírus e bactérias antigos
O permafrost também funciona como um “congelador natural” de microrganismos. Casos já documentados mostram que o degelo pode reativar vírus e bactérias adormecidos há milhares de anos. Um exemplo ocorreu em 2016, na Sibéria, quando o descongelamento expôs o cadáver de uma rena infectada por antraz, causando surtos locais.
Esse fenômeno levanta preocupações sobre possíveis riscos epidemiológicos globais, já que patógenos desconhecidos ou extintos podem voltar à atividade.
3. Impactos nos ecossistemas
O derretimento transforma paisagens de tundra em áreas lamacentas, afetando a flora adaptada ao frio extremo e, consequentemente, a fauna que dela depende. Lagos e rios também podem secar quando a água descongelada infiltra-se rapidamente no solo.
4. Danos a infraestruturas humanas
Muitas cidades do Ártico, como Yakutsk (na Rússia), estão construídas sobre permafrost. Com o degelo, o solo perde estabilidade, provocando afundamentos, rachaduras e desmoronamentos que comprometem estradas, edifícios e oleodutos. A cratera de Batagaika, na Sibéria, é um exemplo emblemático da magnitude desse problema.
Permafrost e mudanças climáticas: um ponto crítico
Os cientistas alertam que o permafrost representa um dos chamados “pontos de não retorno” do sistema climático. Isso significa que, a partir de certo nível de aquecimento, o processo de degelo pode se tornar irreversível e autoalimentado, independentemente das reduções futuras nas emissões humanas.
Se isso ocorrer, o permafrost pode se transformar de um sumidouro de carbono em uma fonte massiva de gases de efeito estufa, dificultando ou mesmo inviabilizando os esforços globais para conter a crise climática.
Existe algum efeito positivo do degelo?
Alguns estudos sugerem que o degelo poderia favorecer a expansão da vegetação em certas áreas do Ártico, o que ajudaria a absorver parte do dióxido de carbono da atmosfera. No entanto, esses possíveis benefícios são muito menores do que os impactos negativos associados à liberação de metano e ao colapso dos ecossistemas.
Portanto, embora haja incertezas científicas, o consenso é de que o degelo do permafrost representa um risco ambiental muito mais significativo do que uma oportunidade natural.
Conclusão
O permafrost é muito mais do que um solo congelado. Ele é um componente vital dos sistemas climáticos e ecológicos do planeta, armazenando carbono, registrando a história geológica da Terra e sustentando comunidades humanas e ecossistemas em regiões de clima extremo.
Seu degelo, impulsionado pelo aquecimento global, representa uma ameaça silenciosa, mas devastadora, capaz de acelerar a crise climática, liberar microrganismos adormecidos e comprometer a infraestrutura de países inteiros.
Proteger o permafrost significa, portanto, intensificar os esforços contra as mudanças climáticas, reduzir emissões de gases de efeito estufa e repensar a relação entre sociedade e natureza. A humanidade está diante de um desafio urgente: evitar que esse “gigante congelado” desperte e transforme o futuro do planeta em um cenário ainda mais incerto.
Saiba mais sobre:
Pedogênese: processo de formação e evolução do solo