Introdução
Poucos nomes são tão marcantes na história da filosofia quanto o de Sócrates. Considerado um dos maiores pensadores da Grécia Antiga, ele se tornou uma figura central não apenas para a filosofia de seu tempo, mas para todo o desenvolvimento da tradição filosófica ocidental. Apesar de nunca ter deixado nada escrito, sua vida, suas ideias e seu método influenciaram de forma duradoura os séculos seguintes, moldando o pensamento crítico, a ética e a busca pela verdade.
Sócrates viveu no século V a.C., em Atenas, um período de grande efervescência cultural, política e intelectual. Em meio ao florescimento da democracia ateniense, às guerras contra Esparta e à crise moral da cidade, ele surgiu como uma voz questionadora e provocadora. Sua figura ficou imortalizada por meio dos escritos de seus discípulos, sobretudo Platão e Xenofonte, que transmitiram sua filosofia e registraram os diálogos nos quais ele expunha suas ideias.
Neste artigo, exploraremos quem foi Sócrates, seu contexto histórico, a originalidade de seu método filosófico, suas principais ideias, sua relação com outros pensadores e os motivos que o levaram à morte, uma das passagens mais dramáticas da história da filosofia.
O contexto histórico e cultural de Sócrates
Atenas no século V a.C.
O século V a.C. foi conhecido como o século de Péricles, em que Atenas se consolidou como o maior centro cultural e político da Grécia Antiga. Após a vitória nas Guerras Médicas contra os persas, a cidade floresceu tanto no campo político quanto no artístico. Foi nesse período que surgiram os grandes dramaturgos, como Sófocles e Eurípedes, além de avanços na arquitetura e nas artes plásticas, com a construção do Partenon.
A democracia ateniense, ainda que limitada (já que excluía mulheres, estrangeiros e escravos), representava uma experiência política inovadora. Nesse ambiente, a prática da oratória e da retórica tornou-se essencial para a vida pública, o que explica a ascensão dos sofistas, professores de retórica que ensinavam técnicas de persuasão.
É justamente nesse contexto que surge Sócrates, com uma proposta radicalmente diferente: em vez de ensinar a vencer debates por meio de técnicas, ele buscava a verdade por meio do diálogo e da reflexão.
A crise da democracia ateniense
Entretanto, o período de esplendor de Atenas foi seguido por tempos turbulentos. A Guerra do Peloponeso (431–404 a.C.), travada contra Esparta, trouxe instabilidade política e econômica, resultando na derrota de Atenas e na queda de sua hegemonia. Nesse contexto de crise, a figura de Sócrates tornou-se ainda mais controversa, já que muitos de seus discípulos, como Crítias e Alcibíades, estiveram ligados a regimes antidemocráticos.
Isso contribuiu para que Sócrates fosse visto com desconfiança e acusado, mais tarde, de corromper a juventude e de não acreditar nos deuses da cidade.
Quem foi Sócrates
Sócrates nasceu em Atenas por volta de 470 a.C. Seu pai, Sofronisco, era escultor, e sua mãe, Fenareta, parteira. Essa origem humilde marcou a simplicidade com que viveu, pois ao longo da vida nunca acumulou riquezas nem buscou cargos públicos.
A descrição física de Sócrates feita por seus contemporâneos mostra um homem de aparência pouco imponente: baixo, de olhos salientes, nariz achatado e corpo robusto. Essa imagem contrastava com a força de sua inteligência e sua habilidade de provocar reflexões profundas em seus interlocutores.
Ao contrário de outros filósofos de sua época, Sócrates não escreveu obras. Toda sua filosofia foi transmitida oralmente, em diálogos com cidadãos atenienses nos espaços públicos, como a ágora. Essa ausência de textos escritos torna difícil separar o que realmente pertenceu a ele do que foi desenvolvido por Platão, seu discípulo mais famoso. No entanto, o impacto de sua figura foi tão grande que Platão chegou a afirmar que a filosofia ocidental não passava de “notas de rodapé a Sócrates”.
O método socrático
A maiêutica e a ironia
O aspecto mais original da filosofia socrática está em seu método de investigação, conhecido como método dialético ou maiêutica. Inspirando-se na profissão de sua mãe, parteira, Sócrates afirmava que não transmitia conhecimento pronto, mas ajudava seus interlocutores a “darem à luz” as próprias ideias.
Esse método consistia em duas etapas principais:
- Ironia – Sócrates fingia ignorância e fazia perguntas simples, levando seus interlocutores a exporem suas opiniões.
- Maiêutica – A partir daí, questionava e confrontava essas respostas, revelando contradições e estimulando a busca por uma definição mais clara e verdadeira.
Esse processo não visava humilhar, mas despertar o pensamento crítico e o autoconhecimento. Sua célebre frase “Só sei que nada sei” sintetiza essa postura de humildade intelectual, que reconhece a limitação do próprio saber como ponto de partida para a verdadeira sabedoria.
A busca por definições universais
Enquanto os sofistas relativizavam o conhecimento e defendiam que a verdade dependia da convenção e da opinião, Sócrates buscava definições universais para conceitos como justiça, coragem, amizade e virtude. Para ele, a filosofia não era apenas especulação, mas uma prática de vida orientada para o bem.
As ideias de Sócrates
O conhecimento como caminho para a virtude
Para Sócrates, a verdadeira virtude estava ligada ao conhecimento. Ele acreditava que ninguém pratica o mal deliberadamente; se alguém age mal, é porque ignora o que é o bem. Por isso, a educação e a reflexão eram fundamentais para formar cidadãos justos.
A centralidade da alma
Sócrates deslocou o foco da filosofia da cosmologia, predominante entre os pré-socráticos, para o estudo do ser humano. Para ele, o essencial não era compreender a origem do cosmos, mas cuidar da alma. Sua máxima “Conhece-te a ti mesmo” tornou-se um dos pilares da filosofia ocidental.
Ética e política
Embora não tenha escrito tratados políticos, Sócrates se envolvia constantemente em debates sobre a justiça, a lei e a vida em comunidade. Ele acreditava que a vida ética deveria estar acima de interesses individuais e que o verdadeiro cidadão deveria respeitar as leis da pólis, mesmo quando injustas, como demonstrou em sua própria condenação.
Sócrates e os sofistas
Os sofistas eram professores itinerantes que cobravam para ensinar retórica e técnicas de persuasão. Eles afirmavam que a verdade era relativa e que o mais importante era vencer os debates.
Sócrates, ao contrário, criticava essa postura. Para ele, o objetivo da filosofia não era persuadir, mas alcançar a verdade. Sua crítica aos sofistas fez com que fosse visto como uma figura incômoda, que questionava não apenas indivíduos, mas toda a estrutura da sociedade ateniense.
O julgamento e a morte de Sócrates
As acusações
Em 399 a.C., Sócrates foi levado a julgamento. As acusações formais eram de corromper a juventude e de não reconhecer os deuses da cidade, introduzindo novas divindades. Por trás dessas acusações, havia também motivações políticas: sua ligação com discípulos envolvidos em regimes antidemocráticos e sua postura crítica em relação às autoridades atenienses.
O julgamento
De acordo com os relatos de Platão em Apologia de Sócrates, durante o julgamento, Sócrates defendeu-se com coragem, sem abrir mão de suas convicções. Ele afirmou que sua missão filosófica era um chamado divino, comparando-se a um “tábano” que incomodava a cidade de Atenas, despertando os cidadãos da indiferença.
Apesar de seus argumentos, a maioria dos jurados votou por sua condenação. Ele poderia ter proposto uma pena alternativa, mas recusou-se a abandonar seus princípios.
A morte
Condenado à morte, Sócrates foi obrigado a ingerir cicuta, um veneno letal. Platão narra em Fédon os últimos momentos de seu mestre, que teria enfrentado a morte com serenidade, conversando com seus discípulos sobre a imortalidade da alma.

Sua morte se tornou um símbolo da fidelidade à verdade e à filosofia, marcando para sempre a história do pensamento ocidental.
O legado de Sócrates
A influência de Sócrates atravessou os séculos. Sua busca pela verdade, seu método dialético e sua ênfase na ética inspiraram não apenas Platão e Aristóteles, mas toda a tradição filosófica posterior.
Ele é considerado o fundador da filosofia moral, pois colocou a reflexão ética no centro da investigação filosófica. Além disso, seu exemplo de vida – de simplicidade, coragem e compromisso com a verdade – transformou-se em um paradigma para todos aqueles que buscam viver de forma filosófica.
Mesmo sem ter escrito nada, Sócrates permanece como um dos maiores pensadores da humanidade. Sua figura representa a força do diálogo, da razão e da consciência crítica em um mundo que frequentemente prefere a conveniência à verdade.
Conclusão
A vida e a morte de Sócrates são inseparáveis de sua filosofia. Ele não apenas pensou sobre a virtude e a verdade, mas viveu de acordo com elas até o fim. Sua trajetória mostra que a filosofia não é apenas uma atividade intelectual, mas um modo de vida, que exige coragem e coerência.
Ao olhar para Sócrates, compreendemos por que ele é considerado o “pai da filosofia”. Sua contribuição vai muito além dos conceitos: ela se encontra na prática do questionamento, na busca incessante pela sabedoria e na convicção de que a verdade deve ser seguida, mesmo diante da morte