Operação Contenção, no Rio de Janeiro, mira Comando Vermelho Foto: MAURO PIMENTEL/AFP

Uma megaoperação das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro deixou pelo menos 121 mortos e 113 presos na última terça-feira (28). A ação, considerada a mais letal da história fluminense, teve como alvo o Comando Vermelho, maior facção criminosa do estado. A operação ocorreu principalmente nos complexos da Penha e do Alemão, zonas tradicionalmente marcadas por conflitos entre o tráfico e as forças de segurança.

Desde as primeiras horas da madrugada, moradores relataram intensos tiroteios e uso de armamento pesado. Corpos foram levados à Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, em cenas que rapidamente se espalharam pelas redes sociais. Segundo o secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, a maioria dos mortos seriam integrantes de organizações criminosas armadas, enquanto quatro policiais também perderam a vida durante os confrontos.

O governador Cláudio Castro (PL) classificou a ação como um “duro golpe contra o crime organizado”, destacando que a operação foi resultado de uma investigação de mais de um ano e planejamento de dois meses. Apesar da declaração, a dimensão da letalidade gerou forte repercussão nacional e internacional.

Reação e investigação

O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) solicitaram explicações ao governo estadual sobre a condução da operação. Entre os questionamentos, estão a proporcionalidade do uso da força, a ausência de câmeras corporais e a falta de ambulâncias durante a ação. O Supremo Tribunal Federal (STF) também pediu um relatório detalhado, com informações sobre o número de agentes envolvidos, tipo de armamento utilizado e medidas de prevenção à letalidade.

O procurador Nicolao Dino destacou que o Estado tem o dever constitucional de proteger a vida, inclusive durante ações de combate ao crime. Já o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos classificou o episódio como “alarmante” e pediu uma investigação independente.

Enquanto isso, entidades civis e de direitos humanos chamaram o episódio de “chacina”, argumentando que a política de segurança baseada em incursões letais nas favelas se mostra ineficiente e desumana, perpetuando a violência e o medo entre moradores.

Impactos sociais e cotidianos

Durante a operação, escolas e universidades suspenderam as aulas, e parte do transporte público na zona norte foi interrompida. Ruas ficaram desertas por medo de confrontos, e houve registros de barricadas e veículos incendiados em represália à ação.
Segundo o Centro de Operações e Resiliência do Rio, o nível operacional da cidade foi elevado durante o dia 28, em razão da instabilidade e dos bloqueios.

Mesmo após o fim dos confrontos, o clima de tensão permanece. Moradores relatam insegurança, medo de retaliações e dificuldade de retomar a rotina. Em entrevista, uma moradora da Vila Cruzeiro afirmou: “O barulho de tiros nunca para. A gente vive entre o medo do tráfico e o medo da polícia.”

Contexto político e a geografia da violência

A geografia urbana do Rio de Janeiro é um fator determinante para entender a complexidade do conflito. A cidade é marcada por uma ocupação desigual, em que favelas e comunidades periféricas — muitas situadas em áreas de encosta e morros — se tornaram zonas de exclusão social. Essa configuração espacial cria verdadeiros territórios paralelos, onde o Estado atua de forma fragmentada e o crime organizado exerce funções de controle e “governança” sobre a população.

Especialistas em segurança pública apontam que o Comando Vermelho, além de dominar o tráfico, atua como um poder local em várias comunidades, impondo regras e interferindo na economia informal, transporte alternativo e até em serviços de internet e gás. Esse modelo territorializado do crime dificulta operações pontuais e torna o enfrentamento direto cada vez mais sangrento.

Politicamente, o episódio reacende o debate sobre o modelo de segurança pública adotado pelo governo fluminense, que prioriza ações de confronto em detrimento de políticas sociais e inteligência policial. O resultado é um ciclo de violência que se repete há décadas — com altos custos humanos e baixo impacto estrutural na redução do poder das facções.

Críticas e contrapontos

Organizações como a Human Rights Watch e a Justiça Global condenaram a operação, afirmando que ela representa a continuidade de uma “política de extermínio” travestida de segurança pública.

O governo estadual mantém o discurso de que a ação foi “um sucesso operacional”, destacando as prisões de lideranças do Comando Vermelho, como Thiago do Nascimento Mendes, o Belão, e Nicolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro da facção. Para Castro, o episódio “representa um passo importante na retomada do controle estatal sobre territórios dominados pelo crime”.

O que está em jogo

A megaoperação no Rio de Janeiro reacende o debate sobre o modelo de segurança pública adotado no estado e seus impactos sociais. Especialistas divergem quanto à eficácia desse tipo de ação: enquanto parte dos analistas defende a necessidade de operações enérgicas para o enfraquecimento das facções criminosas, outros apontam para o risco de escalada da violência e de danos colaterais à população civil.

O episódio também chama atenção para a complexidade das dinâmicas urbanas do Rio, onde áreas de vulnerabilidade social e econômica convivem com a ausência histórica do Estado. Nesse contexto, a presença das forças de segurança e o domínio do crime organizado se alternam, criando um cenário de tensão permanente.

Além disso, a operação repercute no campo político, reacendendo discussões sobre a responsabilidade das esferas municipal, estadual e federal na formulação de políticas integradas de segurança, prevenção e inclusão social.

Conclusão

Dessa formas, a operação de outubro de 2025 representa um dos eventos mais significativos da segurança pública recente no Rio de Janeiro. Seus desdobramentos ainda serão analisados por autoridades e pesquisadores, tanto sob a ótica operacional quanto social e institucional.

Sendo assim, enquanto o governo estadual destaca o êxito no combate às organizações criminosas, entidades civis e organismos internacionais pedem transparência e apuração detalhada dos fatos. O episódio reforça a importância de equilibrar o enfrentamento ao crime com o respeito aos direitos humanos e a necessidade de políticas que ampliem a presença efetiva do Estado em áreas historicamente vulneráveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *