Introdução

A sociologia moderna nasceu a partir do esforço de alguns pensadores que buscaram tentar compreender de forma sistemática as transformações sociais ocorridas com a modernidade. Entre eles, Émile Durkheim (1858-1917) ocupa um lugar central.

Durkheim é um dos fundadores da sociologia como disciplina autônoma e dedicou-se a estudar e investigar os fundamentos da vida social, os mecanismos de coesão entre indivíduos e o papel das instituições na manutenção da ordem social.

Um dos conceitos mais importantes de sua obra é o de solidariedade social, que surge como chave para compreender como as sociedades se mantêm coesas, apesar das diferenças individuais e das mudanças históricas. Para Durkheim, a solidariedade é o cimento que une os indivíduos e possibilita a vida coletiva. Sem ela, não haveria sociedade possível.

Este artigo tem como objetivo explorar em profundidade o conceito de solidariedade em Durkheim, apresentando o contexto histórico e intelectual em que surge, sua formulação teórica, as distinções entre solidariedade mecânica e orgânica, os impactos sociais desse pensamento, as críticas recebidas e sua relevância na atualidade.

O Contexto Intelectual de Durkheim

Durkheim viveu no século XIX, período marcado por intensas transformações sociais e econômicas. A Revolução Industrial, o crescimento das cidades, a consolidação do capitalismo e o enfraquecimento das tradições religiosas tradicionais colocavam novos desafios para a organização social.

A sociedade europeia se encontrava diante de mudanças rápidas e profundas, e o antigo modelo de coesão baseado em laços comunitários tradicionais parecia não ser mais suficiente para garantir a ordem.

Foi nesse cenário que Durkheim buscou compreender a nova forma de coesão social que surgia, questionando: o que mantém os indivíduos unidos em uma sociedade cada vez mais complexa e diferenciada?.

A resposta a essa questão aparece de maneira sistemática em sua obra Da Divisão do Trabalho Social (1893), onde Durkheim formula sua teoria da solidariedade.

O Conceito de Solidariedade em Durkheim

Para o sociólogo Durkheim, a solidariedade não deve ser entendida somente como um sentimento de fraternidade ou benevolência comumente associado ao termo, refere-se a um conceito sociológico, que expressa os vínculos objetivos que unem os indivíduos em uma coletividade, ou seja, a solidariedade para Durkheim, trata-se do conjunto de relações que permite que os indivíduos não sejam apenas somas de existências isoladas, mas que façam parte de uma totalidade maior chamada sociedade.

Durkheim divide a solidariedade em dois tipos fundamentais que refere-se a estágios distintos de desenvolvimento social: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.

Solidariedade Mecânica

Inicialmente, tem-se a solidariedade mecânica é a marca principal das sociedades tradicionais, “menos complexas” e com uma baixa divisão do trabalho. esse modelo de solidariedade, a coesão social se dá pela semelhança entre os indivíduos.

Em uma sociedade marcada pela solidariedade mecânica, todos compartilham crenças, valores e práticas em comum, de modo geral sustentados pela religião e pela tradição. O que une as pessoas não é a diferença, pelo contrário, o que os unem são as repetições de comportamentos e formas de vida.

Durkheim afirma que, nessa solidariedade, a consciência coletiva é predominante em relação à consciência individual. Isso significa que os indivíduos não se percebem como autônomos, mas como parte de uma totalidade que dita regras rígidas de conduta, quase como uma engrenagem, ou seja, todos muito parecidos e que fazem partem de um todo sem grandes diferenças.

O direito que corresponde à solidariedade mecânica é o direito repressivo, no qual as punições são severas e exemplares, pois qualquer desvio é visto como ameaça à coesão do grupo.

Solidariedade Orgânica

Por outro lado, com o avanço da modernidade e a crescente divisão do trabalho, começa a surgir um novo tipo de coesão: a solidariedade orgânica. Aqui, a coesão já não se dá pela semelhança entre indivíduos, mas pela diferença e pela interdependência entre os indivíduos.

Para compreensão dessa solidariedade, é só imaginar que cada pessoa desempenha uma função específica dentro da sociedade, assim como os órgãos de um organismo vivo – daí o termo “orgânica”.

Um médico, um agricultor, um professor e um engenheiro são diferentes, mas precisam uns dos outros para que a sociedade funcione, diferente da sociedade onde cada individuo possuía o domínio de todo o processo de produção.

Nesse modelo, a consciência individual ganha maior espaço, e os indivíduos são mais autônomos em relação à coletividade. O direito correspondente é o direito restitutivo, em que as regras buscam restabelecer o equilíbrio social quando há conflitos, em vez de punir de forma severa.

A solidariedade orgânica, portanto, é o tipo de coesão característica das sociedades modernas, complexas e com alta divisão do trabalho e marcada pelo avanço constante da Globalização

A Transição entre os Dois Tipos de Solidariedade

Durkheim não via a solidariedade mecânica e a orgânica como excludentes, mas como momentos históricos diferentes que podem coexistir em certos graus. Com a evolução da sociedade, a solidariedade mecânica perde espaço, mas nunca desaparece completamente. Elementos de crenças e tradições ainda exercem papel de coesão, mesmo em sociedades modernas.

O que marca a transição é o aumento da divisão do trabalho social, que transforma os vínculos coletivos. Esse processo é inevitável, mas traz consigo tensões, especialmente quando não há equilíbrio entre a autonomia individual e a coesão social.

Solidariedade e o Problema da Anomia

Durkheim também destacou que a transição para a solidariedade orgânica poderia gerar crises sociais, especialmente quando a divisão do trabalho não estivesse regulada por normas claras. Esse estado de ausência ou enfraquecimento de regras é chamado por ele de anomia.

A anomia representa uma falha na regulação social e pode levar a desordem, conflitos e até ao aumento de fenômenos como o suicídio, tema que Durkheim estudou em sua obra O Suicídio (1897). A solidariedade, portanto, não é apenas um conceito descritivo, mas também um critério para avaliar a saúde de uma sociedade.

A Relevância da Solidariedade no Pensamento de Durkheim

O conceito de solidariedade é central para a sociologia durkheimiana porque representa a essência do social. Ao mostrar que a coesão não depende apenas da vontade individual, Durkheim afirma a primazia do social sobre o individual.

Essa visão contrasta, por exemplo, com a de filósofos contratualistas como Hobbes, Locke e Rousseau, que explicavam a sociedade como fruto de um contrato entre indivíduos. Para Durkheim, a sociedade é uma realidade própria, que se impõe aos indivíduos e garante a sua existência.

Críticas à Teoria da Solidariedade

Ao longo do tempo, a teoria da solidariedade recebeu críticas. Alguns autores consideram que Durkheim teria uma visão excessivamente funcionalista da sociedade, priorizando a ordem e a coesão em detrimento dos conflitos e desigualdades.

Pensadores marxistas, por exemplo, destacam que a divisão do trabalho não gera apenas interdependência, mas também exploração e dominação. Assim, a solidariedade orgânica poderia mascarar relações de poder desiguais.

Apesar dessas críticas, o conceito de solidariedade continua sendo fundamental para compreender a dinâmica das sociedades.

A Solidariedade na Atualidade

O conceito de Durkheim permanece atual em um mundo globalizado e interconectado. A interdependência entre os indivíduos e os países é cada vez maior, mas também surgem novos desafios à coesão social.

A crise de confiança nas instituições, o individualismo exacerbado e a polarização política em diversas partes do mundo colocam em xeque a solidariedade. Ao mesmo tempo, movimentos sociais, ações humanitárias e práticas colaborativas digitais mostram que novas formas de solidariedade estão surgindo.

Em sociedades complexas, a solidariedade não é apenas uma necessidade ética, mas um requisito para a sobrevivência coletiva.

Conclusão

Dessa forma, a solidariedade em Émile Durkheim é um conceito-chave para compreender os fundamentos da vida social. Ao distinguir entre solidariedade mecânica e orgânica, o autor mostrou como as formas de coesão se transformam ao longo da história, acompanhando o desenvolvimento da divisão do trabalho.

Mais do que uma descrição sociológica, a solidariedade em Durkheim aponta para uma reflexão profunda sobre a necessidade de vínculos sociais em um mundo cada vez mais complexo.

Sua teoria nos ajuda a entender tanto a coesão quanto as crises das sociedades modernas, oferecendo ferramentas para pensar a atualidade.

Seja na análise da anomia, na crítica às transformações sociais ou na defesa de novos vínculos de interdependência, o pensamento de Durkheim continua essencial. Afinal, como ele próprio afirmou, a sociedade não é apenas um agregado de indivíduos, mas uma realidade própria que se impõe e que só pode existir graças à solidariedade.

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