Introdução
Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem se tornado uma das tecnologias mais revolucionárias do mundo. Ela está por trás de assistentes virtuais, carros autônomos, sistemas de reconhecimento facial e até mesmo da criação de textos, imagens e músicas. No entanto, por trás dessa aparente imaterialidade digital, há um custo ambiental crescente — e um dos recursos mais impactados é a água.
Sim, as IAs estão com sede. E essa sede não é metafórica: cada vez que você faz uma pesquisa com IA generativa ou pede uma imagem a um modelo de linguagem, há servidores sendo resfriados, energia sendo gasta e, consequentemente, milhares de litros de água sendo utilizados.
Mas por que as Inteligências Artificiais consomem tanta água? E qual é a relação entre essa demanda e o meio ambiente? É exatamente o que vamos entender a seguir.
O que está por trás da “sede” das IAs
A Inteligência Artificial depende de grandes centros de dados (data centers) — imensos galpões cheios de servidores que processam, armazenam e distribuem informações para todo o planeta.

Esses servidores precisam funcionar continuamente, 24 horas por dia, e a essa intensidade, o calor gerado é gigantesco. Para que não superaqueçam, é preciso resfriá-los constantemente, e é aí que entra o consumo de água.
Como ocorre o resfriamento dos data centers
O resfriamento pode ocorrer de várias formas, mas as principais envolvem:
- Sistemas evaporativos: usam água que evapora para resfriar o ar.
- Torres de resfriamento: funcionam de modo semelhante a uma “chuveirada” constante nos equipamentos.
- Refrigeração líquida direta: a água circula em sistemas fechados, levando o calor embora.
O problema é que, mesmo com tecnologias mais eficientes, o volume de água utilizado é enorme. Para se ter uma ideia, estima-se que cada conversa com um modelo de IA generativa (como os que produzem textos ou imagens) pode consumir o equivalente a 500 ml de água — o mesmo que uma garrafa pequena.
A água por trás de cada “prompt”
Parece pouco? Então considere o seguinte: bilhões de interações com IA acontecem todos os dias no mundo. Só em 2024, plataformas de inteligência artificial registraram centenas de milhões de acessos diários.
De acordo com um relatório da Universidade da Califórnia em Riverside, apenas o treinamento de um grande modelo de linguagem — como o GPT ou o Gemini — pode consumir mais de 700 mil litros de água. Isso seria suficiente para abastecer cerca de 400 famílias durante um mês.
E o consumo não para aí. Após o treinamento, cada vez que esses sistemas são utilizados por usuários, os data centers continuam exigindo resfriamento constante. Ou seja, a IA não “bebe” água apenas para nascer, mas também para viver e funcionar.
Energia e água: uma relação inseparável
A questão da água está diretamente ligada à demanda energética. Os data centers precisam de energia elétrica para processar informações e também para manter os sistemas de resfriamento ativos.
Muitos desses centros ainda são alimentados por fontes não renováveis, como o carvão e o gás natural. E a geração dessas energias também demanda água — para resfriar turbinas e condensadores, por exemplo.
Assim, o consumo hídrico das IAs se soma ao impacto das próprias fontes de energia. É uma cadeia de uso intensivo de recursos naturais.
Onde estão os data centers mais “sedentos”
A localização dos data centers influencia diretamente o impacto ambiental. Em países como os Estados Unidos, a China e o Reino Unido, há uma grande concentração de centros de IA.
Nos EUA, por exemplo, muitos desses centros estão em regiões áridas, como o estado de Nevada, onde o acesso à água já é limitado. Isso intensifica a crise hídrica local e cria conflitos entre o uso industrial e o abastecimento humano.
Por outro lado, há países que vêm tentando mitigar o problema. A Finlândia e a Islândia, por exemplo, utilizam climas frios e energia geotérmica para resfriar os servidores com muito menos consumo de água.
O paradoxo da sustentabilidade digital
Um dos maiores paradoxos da era tecnológica é que, enquanto se discute sustentabilidade e inovação verde, as tecnologias mais avançadas também contribuem para novos impactos ambientais.
A IA, muitas vezes vista como uma aliada no combate à crise climática (por ajudar em previsões meteorológicas, gestão de recursos e otimização de processos), também aumenta a pegada hídrica e de carbono.
Esse dilema desafia empresas e governos: como equilibrar o avanço tecnológico com a preservação dos recursos naturais?
As tentativas de reduzir o consumo
Diante dessa preocupação crescente, algumas empresas do setor de tecnologia têm adotado medidas para tentar reduzir o consumo de água e energia.
Entre as principais estratégias, destacam-se:
- Reutilização de água dentro dos sistemas de resfriamento;
- Uso de energia renovável (solar, eólica, geotérmica) para alimentar os data centers;
- Construção de centros em locais frios, diminuindo a necessidade de resfriamento artificial;
- Desenvolvimento de chips mais eficientes, que esquentam menos e exigem menos refrigeração;
- Treinamento de modelos menores e mais especializados, que consomem menos recursos.
Empresas como Google, Microsoft e Amazon afirmam já utilizar parte dessas soluções, mas o desafio é manter a eficiência sem comprometer o desempenho dos sistemas.
A dimensão invisível do digital
O fato de que nossas interações online têm impacto físico — consumo de energia, emissão de CO₂ e uso de água — ainda é pouco compreendido pela maioria das pessoas.
Existe uma falsa ideia de que o mundo digital é “limpo” e “imaterial”, quando, na realidade, cada clique, cada mensagem e cada imagem gerada depende de uma infraestrutura física global que consome recursos naturais diariamente.
Conscientizar-se disso é o primeiro passo para repensar nosso uso da tecnologia e cobrar políticas mais sustentáveis das empresas e governos.
Caminhos para o futuro
O consumo de água pelas IAs é um problema novo, mas que já chama a atenção de especialistas e ambientalistas. A tendência é que, com o avanço da tecnologia, a demanda por servidores e modelos de IA continue crescendo.
Portanto, é urgente desenvolver soluções tecnológicas sustentáveis que conciliem o progresso digital com a preservação ambiental.
Isso passa por:
- Maior transparência das empresas sobre o consumo de recursos;
- Incentivos governamentais para uso de energias limpas;
- Adoção de critérios ambientais na criação de novas tecnologias;
- Educação digital ambiental, conscientizando os usuários sobre seus impactos.
O futuro da IA dependerá não apenas de algoritmos inteligentes, mas também de uma inteligência ecológica coletiva.
Conclusão
As Inteligências Artificiais, por mais abstratas que pareçam, são sedentas. Cada avanço, cada linha de código e cada modelo de linguagem tem um custo ambiental que muitas vezes passa despercebido.
O desafio que temos pela frente é equilibrar o poder transformador da IA com a preservação da vida no planeta. A tecnologia precisa deixar de ser apenas inteligente — ela precisa ser também sustentável.