Introdução
A princípio, o absolutismo foi um sistema político que predominou na Europa entre os séculos XVI e XVIII, caracterizado pela concentração do poder nas mãos de um monarca, que exercia autoridade quase ilimitada sobre o Estado e seus súditos. Essa forma de governo marcou profundamente a história política e social do período moderno, sendo justificada por teorias filosóficas e práticas administrativas que buscavam consolidar a centralização do poder.
Dessa forma, compreender o absolutismo é fundamental para analisar as transformações que antecederam a Revolução Francesa e o advento das democracias modernas.
O significado do termo “Absolutismo”
Primeiramente, a palavra absolutismo deriva do latim absolutus, que significa “livre de restrições” ou “desvinculado”. No contexto político, o termo indica um poder que não está sujeito a limitações institucionais relevantes, como parlamentos, constituições ou outros órgãos de controle. Em um regime absolutista, o monarca exerce soberania sobre todos os aspectos da vida política e, muitas vezes, religiosa, econômica e militar.
Na prática, isso significava que o rei possuía autoridade para criar leis, cobrar impostos, declarar guerras e administrar a justiça, sem necessidade de consultar representantes do povo ou respeitar restrições constitucionais. Embora alguns limites práticos existissem — como revoltas populares ou resistências aristocráticas —, o discurso legitimador do absolutismo apresentava o poder do monarca como divinamente instituído e indiscutível.
Contexto histórico e motivos do surgimento
O absolutismo não surgiu de forma repentina, mas foi resultado de um processo histórico que se intensificou a partir do final da Idade Média.
1. Crise do feudalismo
Entre os séculos XIV e XV, o sistema feudal europeu entrou em declínio devido a fatores como:
- Crescimento do comércio e das cidades;
- Formação de uma burguesia urbana interessada em estabilidade política e segurança econômica;
- Centralização fiscal e militar, que enfraqueceu o poder dos senhores feudais.
A ascensão dos reis como figuras centrais na organização política foi favorecida pela necessidade de manter a ordem e promover o comércio em territórios unificados.
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2. Renascimento e novas concepções políticas
O Renascimento trouxe consigo uma redescoberta do pensamento clássico e um fortalecimento da ideia de que a ordem social deveria ser conduzida por autoridades fortes e estáveis. Além disso, o humanismo renascentista estimulou concepções mais racionais sobre o governo, embora muitas delas ainda servissem para legitimar o poder concentrado.
3. Reforma Protestante e Contrarreforma
A Reforma Protestante fragmentou a unidade religiosa da Europa e provocou guerras religiosas que devastaram o continente. Nesse contexto, muitos soberanos absolutistas se apresentaram como defensores da ordem e da unidade — fosse católica ou protestante —, utilizando a religião como ferramenta de legitimação.
4. Formação dos Estados Nacionais
O absolutismo esteve ligado à consolidação dos Estados modernos. Reis como Luís XIV, na França, e Filipe II, na Espanha, centralizaram o poder para fortalecer a administração, ampliar os exércitos e manter a estabilidade política.
Recomendação de Leitura
Esta obra traça o desenvolvimento dos Estados absolutistas no início do período moderno a partir de suas raízes no feudalismo europeu, avaliando suas diversas trajetórias. Ao abarcar uma variada gama de exemplos e cenários, Perry Anderson coloca o desenvolvimento dos Estados europeus no cerne das discussões sobre uma história universal, dando novo fôlego ao estudo das monarquias absolutistas e do modo de produção que gestou o sistema capitalista.
Características do absolutismo
O absolutismo variou conforme o país e o período, mas algumas características fundamentais podem ser destacadas:
- Centralização do poder — O monarca detinha autoridade suprema sobre leis, impostos, exército e diplomacia.
- Teoria do direito divino — A crença de que o poder do rei vinha diretamente de Deus, tornando-o responsável apenas perante a divindade.
- Monarquia hereditária — O trono era transmitido por sucessão familiar, reforçando a legitimidade dinástica.
- Controle da economia — O mercantilismo foi a política econômica predominante, favorecendo a acumulação de riquezas e o protecionismo comercial.
- Apoio de uma burocracia leal — Ministros, conselheiros e funcionários ligados ao rei administravam os territórios.
- Exército permanente — Mantido pelo Estado, o exército garantia a obediência interna e a defesa contra ameaças externas.
- Controle ideológico e religioso — A religião era utilizada para reforçar a autoridade real.
Principais autores e pensadores sobre o absolutismo
Vários filósofos, juristas e teóricos políticos contribuíram para fundamentar ou criticar o absolutismo. Entre os principais defensores e analistas desse sistema, destacam-se:
1. Jean Bodin (1530-1596)
Filósofo e jurista francês, Bodin é considerado um dos primeiros teóricos do absolutismo. Em sua obra Os Seis Livros da República (1576), ele defendeu o conceito de soberania como poder absoluto e perpétuo do Estado. Para Bodin, a soberania era indivisível e deveria estar nas mãos do monarca, embora este devesse respeitar as leis divinas e naturais.
2. Thomas Hobbes (1588-1679)
Filósofo inglês, Hobbes elaborou uma das defesas mais influentes do absolutismo em sua obra Leviatã (1651). Segundo ele, o estado de natureza humano era marcado pela guerra de todos contra todos, e apenas um poder soberano forte poderia garantir a paz e evitar o caos. Para Hobbes, o contrato social consistia na transferência de poderes dos indivíduos para um soberano absoluto.
3. Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704)
Bispo e teólogo francês, Bossuet foi um grande defensor da teoria do direito divino dos reis. Em sua Política tirada da Sagrada Escritura, argumentava que a autoridade real era sagrada, inviolável e recebida diretamente de Deus, e que a obediência ao monarca era um dever religioso.
4. Nicolau Maquiavel (1469-1527)
Embora Maquiavel tenha vivido antes da consolidação do absolutismo clássico, suas ideias influenciaram líderes absolutistas. Em O Príncipe, defendeu a necessidade de um governante forte, capaz de agir de maneira pragmática e até imoral para manter o poder e a estabilidade do Estado.
Exemplos históricos de monarcas absolutistas
Dessa maneira, absolutismo se manifestou de diferentes formas na Europa, com alguns monarcas se tornando símbolos desse regime:
- Luís XIV da França (1638-1715) — Conhecido como o “Rei Sol”, centralizou o poder, fortaleceu o exército e consolidou a supremacia da monarquia francesa. Sua frase “O Estado sou eu” simboliza a essência do absolutismo.
- Filipe II da Espanha (1527-1598) — Expandiu o império espanhol, fortaleceu o catolicismo e governou com mão de ferro sobre vastos territórios.
- Pedro I da Rússia (1672-1725) — Conhecido como Pedro, o Grande, modernizou a Rússia e ampliou o poder do czar.
- Frederico Guilherme I da Prússia (1688-1740) — Transformou a Prússia em um Estado militar altamente centralizado.
Tipos de absolutismo
Contudo, o absolutismo não foi homogêneo; diferentes países adotaram formas específicas, influenciadas por sua cultura, economia e religião.
- Absolutismo francês — Fortemente centralizado, aliado ao catolicismo e ao mercantilismo (Colbertismo).
- Absolutismo inglês — Mais limitado devido à atuação do Parlamento, resultando em conflitos como a Revolução Gloriosa (1688), que instaurou uma monarquia constitucional.
- Absolutismo espanhol — Fortemente ligado à defesa do catolicismo e à exploração colonial.
- Absolutismo oriental — Na Rússia e no Império Otomano, o absolutismo tinha características autocráticas, com maior isolamento cultural.
- Absolutismo esclarecido — Forma mais tardia, no século XVIII, em que monarcas incorporaram ideias iluministas para modernizar seus Estados, como Frederico II da Prússia, Catarina II da Rússia e José II da Áustria.
Críticas ao absolutismo
Com o passar do tempo, o absolutismo começou a ser alvo de críticas crescentes:
- Pensadores iluministas, como Montesquieu, Voltaire e Rousseau, denunciaram os abusos do poder absoluto e defenderam a separação dos poderes, a liberdade individual e a soberania popular.
- Crises econômicas e guerras prolongadas enfraqueceram financeiramente os Estados absolutistas.
- Movimentos burgueses e populares questionaram a legitimidade de um poder não eleito e sem limites constitucionais.
De modo geral, essas críticas culminaram em processos revolucionários, como a Revolução Inglesa (século XVII) e a Revolução Francesa (1789), que selaram o declínio do absolutismo na Europa Ocidental.
Conclusão
Portanto, o absolutismo foi uma etapa crucial na evolução dos Estados modernos, responsável pela centralização política, pela criação de exércitos permanentes e pela padronização administrativa. Embora tenha proporcionado estabilidade em alguns contextos, também foi marcado por abusos e pela ausência de mecanismos democráticos. Sendo assim, seu legado é ambíguo: por um lado, estruturou os alicerces do Estado moderno; por outro, tornou-se um exemplo de concentração de poder que serviu de alerta para as gerações seguintes.
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