Introdução
A Revolução Russa de 1917 é considerada um dos acontecimentos mais transformadores da história mundial contemporânea. Ela não apenas derrubou séculos de monarquia absolutista na Rússia, como também inaugurou a primeira experiência de um Estado socialista em escala nacional.
A partir desse processo, liderado por operários, camponeses e soldados sob a orientação do Partido Bolchevique, o século XX passaria a ser profundamente marcado pela disputa entre dois modelos de organização social, econômica e política: o capitalismo e o socialismo.
Mais do que um evento restrito ao território russo, a Revolução de 1917 abriu caminho para mudanças internacionais, influenciando movimentos de trabalhadores, processos de descolonização e a chamada Guerra Fria.
Para compreender a profundidade desse episódio, é necessário revisitar o contexto histórico, as condições sociais e econômicas da Rússia czarista, os principais eventos de 1917 e as consequências imediatas e de longo prazo que a revolução provocou no mundo.
A Rússia czarista e o cenário pré-revolucionário
A Rússia, no início do século XX, ainda era um império marcado por forte atraso econômico e social. Enquanto países da Europa Ocidental já tinham passado pela Revolução Industrial e consolidado sistemas parlamentares, a Rússia permanecia sob o regime autocrático do czar, que concentrava poderes absolutos.
A sociedade era rigidamente dividida entre a nobreza, que detinha privilégios e grandes propriedades, e as massas camponesas, que constituíam a maior parte da população, vivendo em condições de miséria.
O atraso industrial também era evidente. Apesar de alguns esforços de modernização, sobretudo nas últimas décadas do século XIX, a Rússia ainda dependia fortemente da agricultura arcaica, baseada em trabalho camponês de subsistência. O desenvolvimento urbano e industrial ocorria principalmente em algumas cidades, como Moscou e São Petersburgo, mas concentrava-se em setores estratégicos e sob forte controle de capital estrangeiro.
Esse contraste social e econômico gerava tensões crescentes. A população rural enfrentava fome e pobreza, enquanto a classe operária urbana, ainda pequena em números, era submetida a condições de trabalho degradantes, longas jornadas e baixos salários. Esses fatores criaram um terreno fértil para a propagação de ideias revolucionárias.
O nascimento das ideias revolucionárias
No final do século XIX, diversos grupos políticos começaram a se organizar na Rússia, buscando alternativas ao czarismo. Entre eles, destacavam-se os populistas, que acreditavam na mobilização camponesa, e os marxistas, que viam no proletariado industrial a força motriz da transformação social.
Em 1898, foi fundado o Partido Operário Social-Democrata Russo, que, anos depois, dividir-se-ia em duas alas: os mencheviques, que defendiam um processo mais gradual de transição ao socialismo, e os bolcheviques, liderados por Vladimir Lênin, que acreditavam na necessidade de uma revolução radical, imediata e conduzida por um partido de vanguarda.
As ideias marxistas ganhavam cada vez mais espaço entre operários e intelectuais, especialmente após a Revolução de 1905 (também chamado de ensaio revolucionário), que já havia revelado a fragilidade do regime czarista. Esse levante foi desencadeado pela repressão violenta a uma manifestação pacífica de trabalhadores em São Petersburgo, no episódio conhecido como Domingo Sangrento. Apesar de não derrubar o czar Nicolau II, a revolta obrigou-o a fazer concessões, como a criação da Duma (parlamento). No entanto, essas medidas foram insuficientes para resolver as contradições internas do império.
A Primeira Guerra Mundial e o agravamento da crise
A princípio, a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial, em 1914, foi decisiva para acelerar o colapso do czarismo. O império não possuía condições econômicas e militares de sustentar o esforço de guerra, e rapidamente o conflito se transformou em um desastre. Milhões de soldados russos foram enviados para o front sem equipamento adequado, enquanto a economia interna entrava em colapso, com escassez de alimentos e inflação galopante.
Com isso, o sofrimento da população aumentava a cada ano, e a popularidade do czar despencava. A imagem da monarquia também foi prejudicada pela influência de Rasputin, místico que ganhou grande poder na corte devido à proximidade com a czarina Alexandra. Esse cenário de fome, derrotas militares e instabilidade política foi a base para o desencadeamento da revolução.
A Revolução de Fevereiro de 1917
O primeiro grande momento revolucionário ocorreu em fevereiro de 1917 (março no calendário gregoriano). Manifestações espontâneas de trabalhadores em Petrogrado, exigindo pão e o fim da guerra, cresceram rapidamente, sendo acompanhadas por greves e motins de soldados. Em poucos dias, o regime czarista entrou em colapso.
O czar Nicolau II foi forçado a abdicar, pondo fim a mais de três séculos de domínio da dinastia Romanov. No lugar do czarismo, formou-se um Governo Provisório, liderado por figuras liberais e moderadas, que prometia instaurar uma república e convocar uma Assembleia Constituinte. No entanto, esse governo manteve a Rússia na guerra e não realizou as reformas mais urgentes, como a distribuição de terras aos camponeses.
Paralelamente, ressurgiram os sovietes, conselhos de operários, soldados e camponeses que funcionavam como formas de poder popular. Assim, a Rússia mergulhava em um período de “duplo poder”, no qual Governo Provisório e sovietes disputavam a legitimidade política.
A Revolução de Outubro de 1917
Foi nesse contexto que os bolcheviques ganharam força. Liderados por Lênin e Trotsky, defendiam a saída imediata da guerra, a entrega das terras aos camponeses e o poder aos sovietes. Essas palavras de ordem ressoavam profundamente entre a população exausta e faminta.
Em outubro de 1917, os bolcheviques organizaram a tomada do poder em Petrogrado. O episódio, conhecido como Revolução de Outubro, foi relativamente rápido e pouco sangrento: os revolucionários ocuparam pontos estratégicos da cidade e derrubaram o Governo Provisório. Assim, os bolcheviques instauraram o primeiro Estado socialista da história.
Logo após a vitória, o novo governo anunciou medidas radicais: retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial (Tratado de Brest-Litovsk, em 1918), nacionalização da terra, controle operário das fábricas e criação da Tcheka, a polícia política. Essas medidas inauguraram uma nova ordem, mas também abriram caminho para conflitos internos e externos.
A Guerra Civil e a consolidação do poder bolchevique
A tomada do poder pelos bolcheviques não foi aceita pacificamente. Entre 1918 e 1921, a Rússia mergulhou em uma guerra civil entre o Exército Vermelho (bolchevique) e o Exército Branco (formado por monarquistas, liberais e outros opositores). A guerra foi brutal, marcada por violência extrema e intervenção estrangeira — países como Inglaterra, França, Japão e Estados Unidos enviaram tropas para apoiar os brancos.
Apesar das dificuldades, os bolcheviques venceram a guerra, consolidando o poder soviético. O custo, entretanto, foi enorme: milhões de mortos, destruição econômica e fome generalizada. Para lidar com a crise, foi implantado o Comunismo de Guerra, sistema de medidas emergenciais que incluía a requisição forçada de grãos e a estatização completa da economia.
Em 1921, diante do descontentamento popular, Lênin lançou a Nova Política Econômica (NEP), que permitia certa abertura para pequenas propriedades privadas e comércio, buscando reconstruir o país.
Consequências e impacto mundial
A Revolução Russa transformou profundamente a Rússia e o mundo. Internamente, ela deu origem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), proclamada em 1922, que se tornaria uma potência global. Externamente, inspirou movimentos revolucionários e partidos comunistas em todo o mundo, influenciando a história do século XX.
A revolução também dividiu opiniões: para muitos, representava a esperança de uma sociedade mais justa, sem exploração. Para outros, simbolizava um regime autoritário, marcado por repressão política e ausência de liberdades individuais. De todo modo, não há como negar que a Revolução Russa inaugurou uma nova era na história mundial.
Conclusão
Dessa forma, a Revolução Russa de 1917 não foi apenas um episódio isolado da história da Rússia, mas um marco que alterou os rumos da política e da economia global. Ela nasceu das contradições de um império atrasado, agravadas pela guerra, e foi conduzida por um movimento que soube interpretar as demandas mais urgentes da população. Assim, o resultado foi o surgimento do primeiro Estado socialista, que mudaria radicalmente o século XX.
Ainda hoje, mais de um século depois, o debate sobre a Revolução Russa permanece atual, seja para refletir sobre as possibilidades e limites de transformações sociais radicais, seja para compreender como eventos históricos podem redefinir o destino de povos inteiros.